10 de julho de 2014

Poema inédito de Marilia Garcia


Haunted - Dan May (2012)

Oba: Marília Garcia vem aí com novo livro. Chama-se um teste de resistores e sairá pela 7 Letras no segundo semestre. Um poema, inédito em revistas, ficou de fora da obra; a gente mostra aqui na Confraria: 


antes do encontro

procurar uma escada de madeira que dá para o abismo
é algo que só se pode dizer em euskera
numa cidade cortada por um rio que fique
no meio dos dois (quando um
precisa ir embora para
sempre.)

mas um dia chega
com a pergunta:
                        – o que vem à sua cabeça
quando digo a palavra
amor?

um dia desce no meio do dia
e vê.                e um dia vê a peça lilás
sobre a quina da mesa quando volta:
ele diz saltar. saltar para fora.
e atravessa na esquina procurando a escada.
depois diz que quer saltar para fora dessa
canção.
            mas um dia chega com
a pergunta:
                        – o que vem à sua cabeça quando
digo a palavra amor?            e ela responde
que amor em japonês se diz /ai/.

de repente
um branco as linhas se tornam cada vez mais
quebradiças                um banco parado no meio da cena
– quadrado iluminado – e a frase mais longa que ele me disse
nos últimos seis meses.

o que significa um cachecol vermelho
pinicando sozinho?
uma abelha, pensa, mas o cachecol pinicando
sozinho voando uma abelha talvez um inseto
estridente incidente para ouvir quando ele
chegar e vir a garota de cachecol
vermelho       
mas agora apenas a estática tremendo e você a
leva de volta até o barco:
– a estática, pergunta. você lembra?
fica parada na chuva com seu  impermeável vermelho
esperando acontecer

[aqui o telefone
vibra e um parêntese
para dizer que está em berlim e é longe
está em berlim e é frio
está berlim e é quase
ao ouvir a sua voz parece de
verdade mas então ele levanta e diz algo
sobre o fim ou sobre o sim
e toca na tela uma imagem do filme]


a garota

aquela que tem na voz o timbre que você quer
a  que fica um pouco confusa            a que anda no meio fio
a que por um triz        a que acorda sorrindo, fazendo inventários de um céu
sem astro.       a que diz
                                         desastre
aquela com as imagens gravadas.
medindo as distâncias em parsec
passando pela roleta sem olhar         aquela que liga o walkman
para não ouvir                        a que não ouve o que os olhos vêm dizer
a que desce do táxi quando chega.

quando o vir, vai saber. do alto do pico, ela vai dizer
_____.             quando o vir estará de verde
escondendo a cara, mas sorrindo.
quando o vir vai saber.
o encontro será no subterrâneo de uma galeria
para contar as tartarugas.


marília garcia nasceu no rio de janeiro, em 1979. é autora dos livros 20 poemas para o seu walkman (2007), engano geográfico (2012) e, no prelo, um teste de resistores, a ser publicado pela 7letras em agosto. atualmente mora em são paulo e trabalha com tradução.